O desafiante ao título de Campeão Mundial de xadrez cometeu um erro

Caio Oleskovicz
3 min readDec 6, 2021

Mas esse texto não é exatamente sobre xadrez.

Não sei quantos de vocês acompanham ou se interessam por xadrez, mas está acontecendo agora o Campeonato Mundial, uma espécie de “disputa de cinturão” entre os dois melhores jogadores do mundo, que dura 14 confrontos por quase um mês. O campeão é Magnus Carlsen, e o desafiante, Ian Nepomniachtchi (ou “Nepo”, para facilitar). É muito comum os jogos terminarem empatados, e uma vitória é algo muito grande nesse confronto (isso é importante para esse texto). Para ser campeão, é necessário ter 7,5 pontos (cada vitória = 1, empate = 0,5, e derrota = 0). Neste domingo, aconteceu o oitavo jogo dos 14.

Para dar um pouco mais de contexto, a cada segunda e quinta-feira há uma “pausa” no torneio, onde os jogadores podem descansar. Isso significa que eles jogaram sua terceira partida seguida ontem. Adicione a isso o fato de que a partida de sexta-feira durou mais de oito horas, com mais lances do que qualquer outra partida da história dos Campeonatos Mundiais, terminando com vitória do campeão, Magnus Carlsen. Como já explicado, há uma imensa vantagem para quem vence uma partida, por conta do nível ser altíssimo e muito similar entre jogadores do topo. O score, então, era de 3.5x2.5.

Portanto, Nepo não estava confortável nas partidas subsequentes. Sábado tivemos mais um empate (4x3), e domingo tivemos mais uma partida intensa.

E o desafiante, já sob pressão, errou.

Um erro grotesco para esse nível de jogo, segundo quem entende de xadrez (o que não é meu caso).

Magnus não titubeou e garantiu a vitória (sim, por conta de UM erro — isso ajuda a dimensionar sobre o que estamos falando). 5x3 é um Everest para o desafiante. Pressionado, cansado, irritado, ele teve compostura depois de uma derrota grave (que quase lhe tira as chances de vencer o confronto), e foi para a coletiva de imprensa.

Nepomniachtchi foi derrotado novamente na oitava partida. Foto: Eric Rosen

Dentre as questões, três me saltaram aos ouvidos a ponto de querer contar. Traduzindo não-oficialmente, foram assim:

“O que você achou sobre seu jogo de hoje?”, o entrevistador indagou.

“Bem, em geral… queria pedir desculpas pela minha performance hoje”, respondeu Ian.

“Por quê?”, seguiu o repórter.

“Porque joguei abaixo, não digo nem do meu nível normal, mas do nível de qualquer grande-mestre [a mais alta titulação no xadrez]”, disse o desafiante.

O repórter insistiu: “Você estava cansado após o terceiro dia consecutivo de jogos?”

“Não”, declarou Nepo. “Não acho que tem a ver com o fato de estar cansado ou não. Fiz uma sequência ruim de movimentos… Estou ansioso pelos próximos jogos”.

A entrevista me pegou de surpresa. Primeiro pela racionalidade e frieza após aparentemente perder um pouco do controle na partida em si. Segundo porque ele não atribuiu nenhum fator à sua derrota, exceto ele mesmo.

Estresse, cansaço e pressão são lugares-comum para justificarmos fracassos ou inadequações. Embora essas três palavras tenham muito a ver com nossa performance nas coisas em geral, às vezes simplesmente cometemos erros. Erros graves. Erros que nem nós mesmos esperaríamos de nós, que dirá o “público” (nossos amigos, família, etc.) em geral.

Naturalmente, é possível justificar quase qualquer “absurdo” com essas três palavras e muitas das vezes isso está correto, mas quantas vezes aceitamos (para nós mesmos, se calhar) que, simplesmente, fizemos “uma sequência ruim de movimentos”?

Aceitar imperfeições e fraquezas é parte de um processo de amadurecimento e autoconhecimento: você pode ser muito bom no que faz, e errará da mesma forma. Inúmeras vezes. Há pouco espaço para erros na vida de uma pessoa comum, mas se mesmo alguém lá no topo, com uma chance única, pode errar e não culpar o ambiente externo, podemos fazer o mesmo de vez em quando.

E, roubando uma frase de um escritor muito melhor do que eu, é aí que reside toda essa metáfora.

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Caio Oleskovicz

Nefelibata ocasional // Creative Content Writer & SEO Copywriter // Otimista sempre nas horas erradas. Pessimista nas horas erradas também.